domingo, 29 de novembro de 2009

O despertar da Existência


        O amor é o clarim que convoca o ser para a existência. É o toque de caixa que o arranca do mistério do não-ser. Um casal se encontra e se funde no ato do amor, dois corpos vibram no mesmo diapasão, o poder criador convulsiona as entranhas conjugadas na busca da plenitude impossível, desencadeiam-se as forças genéticas e a fecundação se processa no ritmo das células germinais. O fruto do amor se define na caverna platônica como o número primeiro dos pitagóricos, solitário no inefável. O estremecimento erótico gera a década de um novo cosmos. Deus nasce na gruta escura da contradição dialética de espírito e matéria. Quem perturbar ou interromper esse processo divino de uma nova gênese será um deicida. A cólera dos elementos se desencadeará sobre ele, porque um novo ser se projetou na existência e ninguém, em parte alguma e em nenhuma circunstância, tem o direito de profanar a intimidade secreta em que a vida brota do ser, em busca do amor.
      A solidão do não-ser se rompe quando o Ser Supremo e Absoluto pronuncia o fait do relativo. Nasce então, primeiro a relatividade, em que o Absoluto se parte em pedaços e migalhas, como o pão; depois a temporalidade, em que a experiência desenvolve os trigais do futuro; e, por fim, a existencialidade, em que o ser relativo se projeta na conquista da reascendência, que é o amor em essência, na atualização das potencialidades possíveis. Nessa fusão do ser, do tempo e do amor a se projetar na existência, como uma bólide que romperá a barreira da morte para lançar-se no infinito atemporal.
      Essa não é uma parábola mítica, nem uma cogitação filosófica ou resultado de uma análise científica, mas a intuição total da realidade ôntica em suas perspectivas ontológicas e existenciais. O não-ser não é uma negação, mas uma cripto-hipótese do inefável pitagórico que se realiza na mônada, essa semente do real-irreal, que no existencial gera as almas-viajoras do Plotino, povoando as hipóstases da estrutura cósmica imóvel com a inquietação, as angústias e o sentimento da fragilidade existencial. A metamorfose é a lei suprema que rege o império de todo o esquema da infinitude inefável. A única chave de que o ser dispõe (como homem, anjo e deus) para mergulhar no mistério genésico é o Amor, que ele perde na existência, arrebatado no delírio das paixões, e só pode recuperar na transcendência. O ser que se imanência no real-irreal cai no onjeto, que só a angústia, o desespero e a dor podem quebrar para liberta-lo de si mesmo.
      Aceitar a imanência e apegar-se a ela é uma tendência natural do ser na existência. Ele cai na rotina e se faz estagnação. Marginaliza-se como água parada ao lado do fluxo existencial. Acomoda-se ao ritmo das coisas, dos objetos e das convenções, que são objetos sócio-culturais. Embora a cultura seja necessariamente um fluxo, sua relação genética com a sociedade tende sempre a diminuir a sua flexibilidade. Essa diminuição pode resultar em estagnação total, como se vê na história das grandes culturas orientais e particularmente no exemplo da China Antiga. Todo ser — tudo o que é — tende a conservar-se como é. Esse instinto de conservação tanto existe nos objetos concretos como nos abstratos. A dualidade universal nos mostra que o existente (o homem) apega-se mais ao sensível do que ao inteligível. É mais dominado pela afetividade às sensações do que pelo raciocínio. As sensações o retém imantado ao plano genético, impedindo a sua entrega ao fluxo da evolução cultural e do desenvolvimento mental. As energias vitais preponderam nele sobre as energias intelectuais. Ele pensa, aspira e sonha, mas principalmente se acomoda à rotina, da qual somente se afasta quando forçado. Essa disposição acomodatícia cresce e engorda nas relações familiais, sociais e nos compromissos profissionais. Daí a necessidade de períodos duros, de situações problemáticas, de sofrimento e dor para arranca-lo da rotina. O ser projetado na existência encontra a festa do mundo e a ela se entrega, mas a própria existência dispõe de recursos para fazê-lo sentir que é um Ser dotado de consciência, deveres e responsabilidade. O apego ilusório às coisas e à rotina fazem parte de um processo disciplinar. A festa do mundo exige pagamento de entrada e permanência, exerce vigilância sobre ele e seu comportamento.
      Logo na infância a sua afetividade se desenvolve em direções várias e ele sente a ameaça da solidão e a necessidade de buscar alguém. O instinto de imitação desperta-lhe o desejo de encontrar o parceiro ou a parceira da vida, como vê no modelo geral dos casais. Sua inocência aparente o impele a sonhos de convivência misteriosa com alguém que o espera numa esquina do mundo. Por baixo da inexperiência infantil fermentam os resíduos de um passado desconhecido, agitam-se os vetores de energias maduras e tensas, de mecanismos psicobiológicos prontos a aflorar no processo de maturação. Na fase infantil dos talentos, da curiosidade, das perguntas e dos espantos, a inteireza do ser aguarda o momento de impor a sua realidade a realidade do mundo.
      Repete-se em cada nascimento, em cada penetração de um ser na existência, o episódio do Cavalo de Tróia. Ante a muralha do existencial os seres inexistentes vigiam como os guerreiros gregos, protegidos por seus deuses. Um não-ser ingênuo e puro, impotente e abandonado, é deixado ante a porta-fortaleza. Os troianos, os que vivem e existem na realidade plena, por trás da muralha, encantam-se com a doçura e a fragilidade daquela criança exposta aos perigos, abrem a porta e a recolhem, embalando-a em seus braços poderosos, sem dar ouvidos às profecias de Cassandra. Mas no interior da criança estão ocultos os conquistadores experientes. A existência, essa Tróia cercada de muralhas no planalto da vida, vai ser conquistada ferozmente pelos instintos de conquista e domínio que explodirão no anoitecer. Cada não-ser busca a sua Helena raptada, a sua contrafação que o completará no plano existencial. Não há guerra gratuita, batalha sem objetivo. Cada ser lançado na existência é, ao mesmo tempo, um vetor energético e uma busca emocional de realização humana. Muito antes de o primeiro eclodir da virilidade na puberdade a marca do amor definia o não-ser como o conquistador da existência.
     Para os que estão pro trás da muralha, na realidade troiana, a imobilidade e a beleza escultural do Cavalo de Tróia representam apenas a ingenuidade infantil dos sonhadores gregos. Mas cada um deles, ao romper a muralha existencial, está armado com os poderes de Eros. Basta se acomodarem na existência para se firmarem nela, para logo se atirarem na batalha do amor, não para destruir mas para conquistar. A destruição que causarem decorrerá da resistência que lhes opuserem, mas cada destruição exterior corresponderá a uma conquista interior. A existência é o mundo do existente e ao mesmo tempo a rota da sua projeção ao alvo que ele terá fatalmente de atingir: o Amor. Por isso ele se empenhará na luta da conquista existencial em treinamento constante, não para combater os outros seres e conquistar as suas posses, mas para conquistar a si mesmo e descobrir em si, no seu próprio interior, as jazidas auríferas das quais extrairá o tesouro de suas potencialidades convertidas na atualização de si mesmo. Por dizem os filósofos existenciais que a existência é subjetividade pura. O mundo existencial não é o mundo material em que o ser realiza a sua façanha grega. Esse mundo é apenas o palco eventual da sua batalha íntima, que aquele point d’optique romântico da expressão de Victor Hugo, ali, por trás das máscaras e em meio das cortinas em que ele representa o seu papel, centralizando e aparatos convencionais, toda a riqueza e diversidade das dores e inquietações dos homens. A conquista da vida não pertence a ele, mas àquele poder que, segundo Hegel, se desdobra na História e para Bérgson é o elã vital que se infiltra na matéria e a domina, gerando as espécies vivas e plasmando as suas formas, os seus instrumentos de ação exterior. O home é o ser de si mesmo, a alma, a personalidade, o eu oculto que só se revela no processo de relação. Mas arrasta consigo o ser do corpo, de que trata Kardec, esse estranho Sancho, escudeiro, escudeiro do Quixote nas lutas contra os moinhos de vento. Mas Sancho não é o não-ser ou a sombra do ser, como querem alguns pensadores, pois tem o seu próprio ser e exerce a função vigilante e crítica do cavaleiro audaz. Ambos avançam, como Davi, ao encontro dos gigantes de um só olho, não pelos gigantes mas por Dulcinéia. Abater os gigantes, que são deformações da realidade, é função do cavaleiro que o pajem não consegue compreender. Rocinante obedece Quixote como o ser do corpo obedece o ser espiritual , mas Sancho é o crítico da razão comum, do bom senso burguês que não pode entender as ações heróicas do Cavaleiro por sua Dama. A visão esquizofrênica do Quixote abrange a supra-realidade dos símbolos dos mitos, mas a visão normal de Sancho, condicionada pelo nível prático da vida no burgo, não alcança além das aparências materiais. Por isso, o ser verdadeiro, aquele que é em si por si, limita-se a utilizar Sancho como utiliza rocinante em suas investidas contra as deformações do homem, a começar de si mesmo, para que o mundo de Dulcinéia se torne adequado a sua beleza e a finura de seu espírito. A natureza dramática do homem, que Unamuno acentuou, decorre dessas contradições internas da sua posição existencial. Descartes já havia observado a necessidade de prevenir-nos contra a confusão habitual da alma com o corpo. Dessa confusão resulta o abastardamento do amor, reduzido a simples exigência biológica e em conseqüência e logo mais atirado entre os subprodutos sensoriais. O amor assim amesquinhado e aviltado vinga-se do homem nivelando-o com os animais e rebaixando-o a eles, que tem pelo menos a desculpa da inconsciência.
      Richet, o fisiologista, depois de suas numerosas e bem sucedidas pesquisas metapsíquicas, chegou à conclusão de que a finalidade da vida humana se reduz a reprodução e portanto à manutenção da espécie. Uma conclusão tipicamente fisiológica, apegada à visão exclusiva das funções animais. Mas, já no fim de sua existência, reformulou o seu injusto veredicto, admitindo, como escreveu a Bozzano na Itália e a Cairbar Schutel no Brasil, que fenômenos metapsíquicos provam a natureza espiritual do homem e que mors janua vitae, ou seja: a morte é a porta da vida. A famosa proposição posterior de Hideggard, de que o homem se completa na morte, referendou a afirmação de Richet. O homem é o existente, o ser enquanto projetado na existência. Seu trajeto existencial vai da concepção no ventre materno até o momento final da morte. Admitir a inocuidade desse trajeto, como simples círculo vicioso de gerações incessantemente destinadas ao aniquilamento é reduzir o ser a nadificação sartreana. Mas o nada, como Kant demonstrou, não passa de um conceito vazio, uma palavra que podemos considerar como simples emissão de sons sem sentido. Sua única justificativa está na sua natureza relativa rés, da Coisa em si e do Todo, do conjunto da realidade universal que é plenitude. A natureza estrutural do Universo, hoje definitivamente provada pelas Ciências, dá mais razão a Talles de Mileto, para quem o mundo é pleno de deuses, do que a todos os pregoeiros do nada. Todos os sofismas levantados contra a visão teológica da realidade caíram no absurdo ante as conquistas científicas deste meio século. O Universo é uma estrutura de forças que sustenta e desenvolve no jogo incessante dos poderes em equilíbrio perpétuo. As concepções escatológicas esbarram na impossibilidade total, absoluta, de sua comprovação. Os deuses de Talles podem ser substituídos pelas leis naturais, pois a mitologia de seu tempo nada mais era que a visão antropomórfica da realidade. Mesmo assim, os pensadores mais penetrantes e coerentes não podem dispensar a presença de uma inteligência atuante na ordenação e manutenção da realidade. Para os homens da era mitológica, essa inteligência era múltipla e gerou o politeísmo. Para os homens da era da razão a fonte inteligente dessa unidade absoluta; da natureza monástica da realidade universal, só pode ser uma, concentrando seus poderes múltiplos na figura de uma consciência cósmica, que é o Tao dos Antigos chineses, o Zeus grego cercado de auxiliares anteomórficos mas soberano em suas decisões, o Marduc persa que dividia e organizava o caos na estruturação de suas leis ou o Deus Único do Judaísmo e do Cristianismo. O Ateísmo é hoje uma posição falsa do pensamento que só se justifica pela rebelião necessária e justa do passado contra a concepção antropomórfica de Deus pelas religiões da violência. Mas essa justificativa se aplica ao passado e não ás condições culturais da atualidade.
     Se há complexa organização cósmica, como lhe negar a condição afetiva que gera o Amor com uma finalidade superior e o condiciona aos instrumentos da reprodução genésica para que os seres não se percam nos delírios da sensualidade, mas valorizem a si mesmos como necessários e significativos na ordem estrutural do Universo?
     Se o pensamento filosófico atual, a partir das pesquisas teológicas de Kierkegaard, desenvolvendo-se na cogitação ontológica de Heidegger e tropeçando nas contradições de Sartre, para depois se firmar no transcendentalismo de Jaspers, confirma-se no avanço das Ciências e coloca-se numa posição irremovível ante a realidade do ser, é evidente que o problema do amor se desloca do romantismo para o campo do racionalismo. É através da razão que podemos captar a natureza real do sentimento e descobrir a sua significação profunda, os eu verdadeiro sentido nas relações existenciais.
      Simone de Beauvoir confessa que ao ler Sartre teve de arrastar-se por longos subterrâneos escuros e asfixiantes até encontrar a alvorada de uma conclusão libertadora. É difícil pensarmos numa alvorada ante uma conclusão nadificadora. Mas o nada sartreano se desfaz ante a sua posição humanista, o seu amor pela Humanidade. O filósofo no Nada se nega a si mesmo e tripudia sobre a sua doutrina negativa ao encontrar pelo menos uma suposição de vitória do homem sobre a sociedade, da liberdade sobre a tirania. Este é um exemplo da história do pensamento atual que demonstra a importância do amor nos descaminhos da existência. Amor e liberdade constituem a bandeira de Sartre e são a única senha que lhe dá passagem à posteridade. Seu mergulho na essência do ser levou-o à angústia da frustração total e absoluta. Mas os eu amor pelos homens o salva, levando-o à conclusão que ele não buscou, mas que a própria existência lhe ofereceu num gesto generoso — a de que toda frustração do pensamento se converte em compensação quando mantemos acesa no coração a lâmpada do amor.
     Fala-se muito no amor em termos convencionais. A expressão italiana fazer amor propagou-se no mundo e contaminou as novas gerações. É uma expressão de baixeza repugnante, porque reduz o sentido do amor ao ato sexual e ao comércio aviltante do ser como no mercado das sensações carnais. Em recente pesquisa no Rio a maioria dos jovens universitários declarou não ver nenhuma distinção entre amor e sexo. Chegamos ao máximo no aviltamento da criatura humana e essa situação vexatória só pode ser combatida com recursos culturais que afugentem as trevas da ignorância dos nossos meios universitários. Trata-se de um problema puramente cultural.

José Herculano Pires

CRISTO E O MUNDO

Jesus de Nazaré chegou ao mundo em silêncio e humildade. Na casinha pobre de José e Maria, em Nazaré, nasceu mais uma criança, como tantas outras nasciam na mesma hora em toda a Palestina. Ouviu-se o choro da criança e os pais se encheram de alegre emoção. Naquele tempo a Terra ainda estava pouco povoada. Havia muito espaço e pouca gente. O nascimento de uma criança era uma bênção para o casal, por mais filhos que já tivesse. As necessidades mesológicas agem sobre os homens determinando o aflorar de anseios adequados. O culto fálico na remota Suméria não decorria de exagerado erotismo, mas da necessidade de povoar as imensas extensões vazias de território. Em Israel, o casal sem filhos era considerado em desgraça, ou seja, privado da graça de Deus. Para as famílias pobres, os filhos não eram carga, mas descarga. Desde pequenos ajudavam a manter a casa, engajavam-se no serviço. O nascimento de Jesus foi alegre e festivo para os pais e parentes próximos. A família aumentava e adquiria mais importância na vida social. A espera do Messias era uma preocupação constante, pois Israel necessitava de um novo Davi, que crescesse na graça e na fortaleza de lave, para expulsar Edom, o poder impuro dos romanos. Quando uma criança estava para nascer, numa família ligada à descendência de Davi, a expectativa crescia e as profecias surgiam de todas as formas. Muitas profecias foram feitas sem dar resultados. Mas a que se referira a Jesus deu certo: nasceu um menino e não uma menina. Esse menino podia ser o Messias. Não obstante, não houve sinais no céu nem na terra, os anjos não voaram sobre a casa dos pais e a neve só se tornou mais brilhante para os que estavam alegres. Apesar disso a expectativa continuou. Jesus cresceu na solicitação das esperanças da raça. Para forçar essa esperança, segundo o princípio mágico da influência da vontade humana sobre os deuses, todos viam no recém-nascido o futuro Messias. Só o tempo faria que essa esperança se apagasse, até que outro nascimento se desse em condições possíveis. Quando o menino começou a brincar naturalmente com os outros da sua idade, sem que nada demais acontecesse, todos se desinteressaram dele. Daí o silêncio que se fez a seu respeito, até o momento que, sendo levado ao templo, para a bênção da virilidade, respondeu com inteligência incomum à sabatina ritual dos rabinos. Então a esperança renasceu ao seu redor. Talvez fosse ele! As pessoas não iam, além disso. Tinham medo de proferir a palavra Messias. Mas depois do sucesso no templo, Jesus voltou a trabalhar com o pai na carpintaria e os rumores cessaram de novo.

Os anos correram com as tropelias e as fases de prolongada rotina. Jesus tornou-se um jovem inteligente e ativo, sonhador, mas nem por isso revelando sinais messiânicos. Por isso, quando resolveu iniciar o seu ministério, aquilo para que havia nascido, sua mãe e seus irmãos se assustaram. O velho José já havia morrido, pois não voltou a aparecer nos relatos. A inteligência e o senso de responsabilidade do rapaz o indicavam como o sucessor de José. Mas Jesus começou a falar de outro pai, com o qual tinha compromissos maiores: o Pai do Céu. Pensaram que ele estava enlouquecendo. Por isso, Maria e os demais filhos foram buscá-lo e ele se recusou a atendê-los. Estavam perdidas todas as esperanças. Como tantos alucinados daquele tempo, o jovem Jesus se transformava num rabino popular, sem ligações com o Templo, sem nenhuma forma de poder ou recursos em dinheiro que o pudesse levar ao sucesso. Maria sofria em silêncio as suas angústias. Esperava muito daquele filho, e agora o via atirado às feras herodianas e ao poder romano. Pressentia a tragédia, mas esperava no poder de lave. Quem sabe se aquilo não passaria logo e Jesus voltaria aos trabalhos da carpintaria. Como acontecia com todos os que sonhavam com a expulsão dos romanos ou apenas queriam defender a pureza de Israel, ameaçada pêlos goyim e pêlos traidores da nação, Jesus conseguiu adeptos que acreditavam nos seus poderes secretos. Entre esses, ele escolheu os que julgaram mais capazes de enfrentar a temerária empreitada. E foi então, só então, que as lendas da sua infância mágica, do seu nascimento miraculoso, da sua adolescência de sábio precoce, da sua consciência de ser um novo Davi, Rei dos Judeus e Senhor da Terra Prometida, começaram a formar-se e espalhar-se entre o povo. Era necessário que ele nascesse em Belém de Judá, na cidade de Davi, segundo as predições bíblicas. A imaginação popular aproveitou o recenseamento de Quirino, que só ocorrera dez anos depois do seu nascimento, para fazer que José e Maria fossem a Belém e o menino nascesse no lugar devido. Era fácil imaginar que naquela noite de inverno o céu estava mais rutilante, que os anjos baixaram no horizonte para cantar louvores ao Messias, que os animais se juntassem em torno do recém-nascido para aquecê-lo com o seu bafo, que os pastores se ajoelhassem comovidos nos campos gelados e que os Reis Magos de reinos distantes e misteriosos descobrissem no céu a Estrela de Davi e se apressassem a levar ao Messias os seus presentes simbólicos.

A mentalidade mitológica tem o poder do vegetal: suga da realidade os elementos necessários à elaboração da seiva e com esta produz flores e frutos. O mito nasce da água ou da terra, mas projeta-se nas estrelas. Por isso diziam os romanos prudentes que não se devia tomar a nuvem por Juno, a deusa que podia surgir no céu a qualquer momento. Parece-nos incrível que os homens daquele tempo se deixassem levar por tantas fantasias. Mas acaso os homens de hoje, na era da Razão, ainda não são capazes de criar é alimentar mitos? Também o nascimento de Buda foi cercado de fatos maravilhosos, de incríveis milagres. Mas só depois que ele já havia crescido, casado e abandonado sua mulher no palácio real para se entregar à busca da Verdade.

Este quadro do nascimento e desenvolvimento de Jesus, inteiramente despido dos acessórios mitológicos, pode parecer frio e vulgar, sem dados positivos que possam comprová-lo. Por outro lado, a tradição mitológica, arraigada no espírito popular e alimentada pelas festas e cerimônias religiosas, fará que muitas pessoas rejeitem indignadas, essa simplicidade. Mas, como lembra Guignebert, os que pensam que o Cristianismo nasceu e se desenvolveu de maneira diferente das demais religiões; estão seguramente enganados. As leis que regem os processos sociais são tão seguras e permanentes como as que regem, segundo queria Spencer, os nossos processos fisiológicos. No desenvolvimento das instituições religiosas temos sempre de considerar a presença de dois fatos básicos: a realidade histórica e a elaboração mítica dessa realidade. Não se trata de um processo exclusivo das religiões. Em todos os fatos sociais a imaginação se infiltra, produzindo e desenvolvendo o mito, em maior ou menor escala. No caso das religiões todas as escalas se rompem, pois a imaginação é estimulada fortemente pela paixão. As pesquisas históricas sobre as origens do Cristianismo, passadas pelo rigor do crivo metodológico, em mais de um século de trabalho, por uma equipe de especialistas universitários, não deixam a menor dúvida sobre as fantasias piedosas tecidas em torno do nascimento e da vida de Jesus.

Não se trata mais de qualquer’dúvida sobre a sua existência histórica, mas não resta também nenhuma possibilidade de se admitir como reais as lendas criadas a seu respeito. Os documentos, os costumes, as tradições do povo, muitas delas conservadas até hoje no meio judaico, constituem o acervo da provas que permitem a reconstrução dos fatos em sua simplicidade verdadeira, pois só a realidade é simples no plano histórico, negando a complexidade imaginosa dos mitos. Quem não dispõe de mentalidade positiva, preferindo embalar-se nos sonhos, deve ficar com a visão mitológica de seu agrado, mas convém ao menos compreender que fez uma escolha temerária, pois a fantasia se desfaz inexoravelmente no tempo.

O Cristianismo, que pelo poder do seu conteúdo moral e espiritual, já podia nos ter dado um mundo melhor, foi frustrado na sua intenção pelo apego dos homens ao maravilhoso, ao fantástico, e pela indiferença preguiçosa dos comodistas, que só pensaram em se acomodar e tirar proveito das situações criadas. Jesus não foi um alucinado, como o diagnosticou Binet Sanglé, nem um Deus, como querem ainda hoje os religiosos ingênuos, mas um homem, encarnação de um espírito superior, que se encarnou num momento decisivo da evolução humana, a fim de dar a sua contribuição para o progresso da Terra. Ele mesmo insistiu sempre em sua condição humana, chegando mesmo a comparar-se com os demais e a afirmar que qualquer um poderia fazer o que ele fazia. Por isso foi preso e morto pelos dominadores da época, que se sentiam ameaçados pela verdade que ele ensinava. E depois de morto, segundo os processos de execução do tempo, renasceu em espírito como todos nós renascemos após a morte.

Esta redução fenomenológica da figura sagrada do Cristo pode parecer exagerada. Algo diferente devia caracterizá-lo, para que ele pudesse impor-se como se impôs num meio discutidor como o judaico. Claro que existia, mas não no sentido sobrenatural. Jesus se impunha pela superioridade moral e intelectual, pela sua presença irradiante de amor e simpatia para com todos, pelo seu espírito compreensivo, pela sua personalidade espiritual transbordante de bondade. Mas também pela sua firmeza e energia, pela coragem de enfrentar todas as situações, por mais difíceis que fossem, pela sua franqueza na repulsa ao mal e a sua posição definida em todas as questões. Dispunha de dons espirituais que lhe permitiam curar, prever o futuro, libertar as vítimas de obsessões, como fazem hoje os médiuns suficientemente moralizados. Todo esse conjunto de qualidades superiores está hoje provado pelas pesquisas psicológicas e parapsicológicas. Mas o que mais impressionava ao povo e às autoridades do tempo era a sua disposição para o sacrifício, a ausência de medo diante do perigo.

Pode-se alegar, contra isso, o seu pedido no Horto para que o cálice da amargura fosse passado além. Mas esse episódio é também marcado pela presença de elementos míticos e aparece interpretado de maneiras diversas pelos exegetas. O seu brado final na cruz: “Meu Deus, porque me desamparastes?” Revela a sua condição humana na hora da agonia, quando as forças do corpo falecem e o espírito fraqueja. Ele se mantinha nessa condição, negando-se se diferenciar dos outros, da espécie humana a que se ligara. Ainda nesse episódio os elementos míticos, como o rasgar do véu do Templo, o escurecer do céu, o tremor da terra e assim por diante. É principalmente nesses momentos agudos da sua vida e da sua paixão que o colorido emocional do mito se manifesta, tirando-lhe a naturalidade e a grandeza. Sim, a grandeza, porque esta não está no mito, mas no homem.

As relações de Jesus com Deus, o Pai, se passam na intimidade de sua alma e não dos rituais do Templo ou de fórmulas exclusivas. Ensina aos discípulos a se dirigirem a Deus com a sua mesma simplicidade e naturalidade, com as expressões simples e humanas do Pai Nosso. Não usa vestes sacramentais, usando apenas a túnica e as sandálias. Não fala ao homem corpóreo, mas à alma do homem, tocando-lhe os sentimentos mais profundos. Chama-se ao mesmo tempo Filho de Deus e Filho do Homem, pois essa é a condição humana de todos nós. Não se coloca de intermediário único do homem com Deus — elemento mítico que a Igreja acentua como ponto central da Revelação nos Evangelhos sinópticos — pois ensina os homens a se dirigirem diretamente a Deus. E quando exclama que ele é o caminho, a verdade e a vida, é para afastar os homens dos caminhos traiçoeiros da hipocrisia farisaica, e indicar-lhes o caminho seguro dos seus ensinos renovadores. Havia uma oposição clara entre ele (que não ensinava o que era dele, mas o que recebera do Pai) e os fariseus, que ensinavam o que não haviam entendido. Era preciso mostrar claramente que os ensinos do Templo estavam superados e deviam ser substituídos pela Boa Nova que ele trouxera à Terra. Sua posição era declaradamente reformista. A velha religião judaica havia perdido o seu conteúdo espiritual. Transformara-se numa instituição política e comercial. Os fariseus dominavam Israel, ligados aos romanos invasores. O culto externo se refinara e multiplicara as suas exigências para os fiéis, obrigando-os a pesados sacrifícios, tanto para o cumprimento das obrigações rituais, quanto para a onerosa contribuição em dinheiro que, pelas mais variadas formas, deviam pagar aos cofres do Templo, além dos tributos cobrados rigorosamente pelas autoridades romanas.

Como Jesus, enfrentou o problema da dominação estrangeira? O episódio da moeda parece colocá-lo numa posição neutra até mesmo comprometedora: “Dai a César o que é de César e a Deus o que é de Deus”. Uma fórmula tipicamente oriental, acomodatícia e protelatória. Mas a situação estava demasiadamente tensa e perigosa. Os rebeldes judeus eram poucos e não dispunham de armas nem de técnica para enfrentar as guarnições romanas fortemente armadas e treinadas. A revolta de Judas Galonita havia sido profundamente desastrosa. Os rebeldes que não morreram na luta foram crucificados ao longo das estradas principais e ali deixados expostos para escarmento do povo. Naquele momento, os que se recusavam a pagar o tributo eram castigados ou mortos pelos romanos, com auxílio das próprias autoridades judaicas aliadas aos invasores. Era sabido que Jesus se voltara contra o Templo e os rebeldes procuravam o seu apoio. Se ele tomasse uma atitude política favorável aos rebeldes, a sua fama messiânica precipitaria mais um massacre romano sem nenhum proveito, servindo apenas para cobrir Israel de mais sangue e maior desespero. A sua própria autoridade moral desapareceria, pois esperavam dele a libertação de Israel pelo mágico poder messiânico. Seu anseio de libertação não era patriótico, era humano e universalista. Sua resposta segura e sensata liquidou a questão e lhe permitiu a continuidade da sua obra redentora.

Se Jesus fosse o louco da diagnose tardia de Binet Sanglé em seu livro La Folie de Jesus (A Loucura de Jesus) teria naquele momento precipitado uma das sangrentas tragédias coletivas da História, sem nenhum resultado benéfico.

O episódio da moeda romana esclarece a posição de Jesus diante do mundo. Ele enfrentava os problemas do mundo como um homem do seu tempo, mas dotado de visão mais profunda e mais ampla que os demais. Era um judeu integrado na raça, engajado na luta pelos direitos do povo, contra o sacerdócio traidor e os potentados traidores, mas não limitava a sua visão à Judéia, abrangia nela todos os povos e todas as raças da Terra. Seu objetivo era a libertação do Homem, não dos homens desta ou daquela nação, desta ou daquela raça. Por isso falava às almas encarnadas, despertando-as na carne, e não às encarnações de almas que em geral se perdiam na atração dos interesses imediatistas da vida material. Difícil posição, que exige um equilíbrio perfeito do espírito, um senso agudo da realidade imediata em sua relação dinâmica, não raro contraditória, com a realidade absoluta. No episódio da moeda, Jesus agiu com decisão instantânea, numa intuição total das implicações do problema que lhe propunham. Sua resposta foi um golpe de asa, ligando o Céu e a Terra, o problema humano ao problema espiritual, para lhe dar a única solução possível. Até hoje a maioria não percebe a grandeza daquela resposta que fez silenciar a malícia dos interpelantes. Vêem nela somente o que nela não existiu: a manobra astuciosa para safar-se de uma dificuldade. E isso nos dá a medida da nossa evolução terrena.

O episódio da mulher adúltera que ia ser lapidada nos mostra outro ângulo da posição de Jesus diante do mundo. Jesus não discute com os guardiões pretensiosos da moral social. Não perde tempo em argumentar com aqueles fanáticos palradores, viciados em sofismas e jogos de palavras. Permite a lapidação da infeliz, mas com uma condição: “Quem estiver sem pecado, atire a primeira pedra”. Não se dirigiu à mente daqueles homens ligados aos problemas mundanos. Propôs-lhes uma questão de consciência, falou-lhes às consciência e portanto a alma de cada um. E com isso bloqueou o fluxo da loucura coletiva, do sadismo e da brutalidade prestes a explodir. Os braços desceram, as mãos se abriram e as pedras caíram no alvo natural: o chão. Dizem que hoje o efeito seria o contrário, pela inconsciência dominante. Mas naquele tempo a situação consciencial não era melhor. O que hoje falta é quem saiba falar às almas e não aos homens. Então Jesus se dirige à mulher. Ninguém te condenou, eu também não te condeno. Vai, e não peques mais”. Ninguém nos diz o que aconteceu após isso. Mas é evidente que Jesus preparara as condições necessárias, com todo o impacto daquele momento, para falar também a alma emocionada da pobre mulher.

O problema sexual, por sua própria gravidade, fundado nas bases da vida e envolto nas mais profundas aspirações da alma, tornou-se para o homem comum o campo preferido dos seus desabafos contra a pressão social e do livre exercício da sua prepotência. Mata-se na defesa da honra ou por amor com a maior facilidade. Porque todos justificam esses crimes, pois todos têm sua culpa no cartório e desejam descarregá-la no próximo. A mulher lapidada seria a vítima das culpas recalcadas dos lapidadores. Jesus fez o contrário: tocou nas culpas de cada um e desarmou-os a todos, porque todos sentiram que eram irmãos e comparsas daquela pecadora que desejavam massacrar ao invés de ajudar. Sua posição nesse caso confirma-se na atenção a Madalena, aceitando a sua unção (que os judeus considerava impura) e integrando-a no seu grupo de auxiliares. E foi ainda mais longe, aparecendo a ela em primeiro lugar após a ressurreição. Como se confirmava espiritualmente o acerto de sua posição terrena em face do problema, para que não restassem dúvidas entre os discípulos.

Que terrível contraste nos oferece o Cristianismo Oficial em relação ao Cristo, nesse problema. A sexualidade (não apenas o sexo) é considerada fonte de pecado e todas as suas exigências devem ser sufocadas pêlos cristãos. Essas exigências não se referem apenas ao ato sexual (do qual nascemos), mas ao simples desejo que abre portas ao Diabo e ao próprio sentimento de amor que atrai as criaturas e lhes desperta o anseio de unidade afetiva, de fusão de almas para a realização recíproca dos objetivos da vida. O celibato sacerdotal, a clausura das freiras, os cilícios aviltantes, a deformação das adolescentes nos conventos através de instrumentos medievais para impedir o desenvolvimento normal dos seios, a obrigação de tomarem banho com roupas, sem se desnudarem, para que não se perturbe com a própria nudez e o Diabo não as tente ao vi-las nuas, são apenas alguns dos frutos bastardos dessa contradição ao Cristo. E tudo isso em nome do Cristo e da Doutrina redentora. O Cristianismo, que veio dar ao homem vida em abundância, transforma-se em repressor brutal e ignorante das manifestações da vida. O Cristo, que falava de beleza e da perfeição, passou a patrocinar os processos da deformação humana, no corpo e no espírito. Os chineses diminuíam os pés das mulheres para embelezá-las, os cristãos deformam os seios das adolescentes, atrofiando-os com a tortura de instrumentos medievais, deformando-lhes a mente com o temor constante do Diabo, enfeiando-as.

O Cristianismo do Cristo era um defensor da mulher, exaltava-lhe a beleza e a ternura, estimulava a sua pureza espiritual, integrava-a nos próprios trabalhos messiânicos, perdoava-lhe os erros e louvava a sua capacidade de amar. Madalena foi perdoada porque muito amara. O Cristianismo Oficial vestiu as mulheres de pesadas vestes negras, tirou-lhes o viço e a beleza, condenou os impulsos amorosos, fanou-as nos recessos dos conventos e muitas vezes as transformou em criaturas hipócritas e rancorosas. Muitas freiras voltaram da morte para gemer junto ao leito das companheiras e contar-lhes os segredos do Purgatório, onde julgavam estar, submetidas às torturas da consciência culpada. É o que se vê, por exemplo, no livro O Manuscrito do Purgatório, publicado na Espanha com todas as licenças eclesiásticas e traduzido e publicado no Brasil, por Edições Paulinas, de Petrópolis, na tradução do Padre Júlio Maria, também com todas as licenças das autoridades eclesiásticas brasileiras.

O caso de Zaqueu revela-nos outro ângulo da posição do Cristo diante do mundo. O pequenino e detestado publicano, ladrão contumaz, sobe numa árvore para ver Jesus passar na rua, no meio da multidão. Jesus poderia ter passado indiferente, como se não visse o publicano. Mas, ao invés disso, pára sob a árvore e permite que o leve à sua casa, pois quer hospedar-se com ele. Quantos murmúrios teria havido, quantos mexericos na multidão, quantos olhos arregalados de espanto. O Messias hospedar-se na casa de um publicano, talvez do pior deles! Zaqueu se comove com aquela honra inesperada. Promete devolver à pobreza a metade da fortuna acumulada com os seus roubos. Zaqueu se convertia, não a esta ou àquela religião, mas ao bem, à dignidade humana. Quem conheceria a mecânica social que através de pressões sucessivas, teria levado Zaqueu ao caminho do roubo? Jesus não o condenou, premiou-o. Mas esse prêmio tocou a consciência do publicano e ele se afastou do erro. O que interessava a Jesus não era a condenação, mas a salvação. A culpa de Zaqueu não era só dele, era também e principalmente da sociedade hipócrita e gananciosa em que vivia, daqueles que o forçaram a roubar para não perecer sem pelo menos a defesa do dinheiro, daqueles que o isolaram no aviltamento de si mesmo, que lhe negaram até mesmo a convivência do seu povo e o impediram de recorrer ao socorro e ao amparo da sua própria religião. Jesus não se interessava pela opinião dos Doutores do Templo, cujas mãos não estavam manchadas apenas pelos atos de rapina, mas também pela traição ao povo, à nação, às leis de pureza que fingia sustentar. No caso da mulher samaritana e do bom samaritano, essa posição de Jesus se confirma na rejeição do sectarismo, do orgulho religioso, da pretensão hipócrita de pureza.

Não se precisa aprofundar mais na relação dos fatos significativos da vida de Jesus. Bastam esses fatos para vermos que o chamado Cristianismo Oficial, como disse Stanley Jones, está mais distante do Cristo do que o chamado Cristianismo marginal dos nossos dias. A marginalidade, no caso, é determinada pelos que se apossaram indevidamente das fontes do ensino do Cristo e sobre elas construíram edifícios que, como os cenotáfios dos profetas, grandiosos por fora mas vazios por dentro, pois nem sequer os restos mortais do homenageado se encontram no silencio abismal do seu interior.

Jesus de Nazaré não é filho unigênito nem primogênito de Deus cuja paternidade não decorre de gerações biológicas. É um filho de Deus como todos nós, com a diferença apenas do seu grau de evolução, que é muito mais do que podemos supor Espírito que evoluiu em mundos anteriores à Terra subindo ao plano das constelações dos mundos superiores, voltou aos planos inferiores por um impulso de amor, para nos dar na Terra a possibilidade de avançarmos também, como ele na direção das estrelas. Por amor entregou-se ao sacrifício de mergulhar na carne, sofrendo todas as conseqüências dessa decisão consciente, a fim de nos arrancar do tremedal das idéias rasteiras e do circulo vicioso das encarnações repetitivas. Sua glória não e a de haver morrido na cruz, entre o bom e o mau ladrão que representam a nossa humanidade.

José Herculano Pires

sexta-feira, 26 de junho de 2009

Lágrimas

“Vinde a mim, todos os que estais cansados e oprimidos, e eu vos aliviarei.” — Jesus. (MATEUS, capítulo 11, versículo 28.)

20070125185036-lagrimas

Ninguém como Cristo espalhou na Terra tanta alegria e fortaleza de ânimo. Reconhecendo isso, muitos discípulos amontoam argumentos contra a lágrima e abominam as expressões de sofrimento.

O Paraíso já estaria na Terra se ninguém tivesse razões para chorar. Considerando assim, Jesus, que era o Mestre da confiança e do otimismo, chamava ao seu coração todos os que estivessem cansados e oprimidos sob o peso de desenganos terrestres.

Não amaldiçoou os tristes: convocou-os à con­solação.

Muita gente acredita na lágrima sintoma de fra­queza espiritual. No entanto, Maria soluçou no Cal­vário; Pedro lastimou-se, depois da negação; Paulo mergulhou-se em pranto às portas de Damasco; os primeiros cristãos choraram nos circos de martírio... mas, nenhum deles derramou lágrimas sem esperança. Prantearam e seguiram o caminho do Senhor, sofre­ram e anunciaram a Boa Nova da Redenção, pade­ceram e morreram leais na confiança suprema.

O  cansaço experimentado por amor ao Cristo converte-se em fortaleza, as cadeias levadas ao seu olhar magnânimo transformam-se em laços divinos de salvação.

Caracterizam-se as lágrimas através de origens específicas. Quando nascem da dor sincera e cons­trutiva, são filtros de redenção e vida; no entanto, se procedem do desespero, são venenos mortais.

Emmanuel

Jesus e os Amigos

"Ninguém tem maior amor que este: de dar alguém a vida pelos  seus amigos." - Jesus. (JOÃO, 15:13.)

wallpaper-olhai-para-os-lirios-do-campo

Emmanuel

Na localização histórica do Cristo, impressiona-nos a realidade de sua imensa afeição pela Humanidade.

Pelos homens, fez tudo o que era possível em renúncia e dedicação.

Seus atos foram celebrados em assembléias de confraternização e de amor. A primeira manifestação de seu apostolado verificou-se na festa jubilosa de um lar. Fez companhia aos publicanos, sentiu sede da perfeita compreensão de seus discípulos. Era amigo fiel dos necessitados que se socorriam de suas virtudes imortais. Através das lições evangélicas, nota-se-lhe o esforço para ser entendido em sua infinita capacidade de amar. A última ceia representa uma paisagem completa de afetividade integral. Lava os pés aos discípulos, ora pela felicidade de cada um . . .

Entretanto, ao primeiro embate com as forças destruidoras, experimenta o Mestre o supremo abandono. Em vão, seus olhos procuram a multidão dos afeiçoados, beneficiados e seguidores.

Os leprosos e cegos, curados por suas mãos, haviam desaparecido.

Judas entregou-o com um beijo.

Simão, que lhe gozara a convivência doméstica, negou-o três vezes.

João e Tiago dormiram no Horto.

Os demais preferiram estacionar em acordos apressados com as acusações injustas. Mesmo depois da Ressurreição, Tomé exigiu-lhe sinais.

Quando estives na "porta estreita", dilatando as conquistas da vida eterna, irás também só. Não aguarde os teus amigos. Não te compreenderiam; no entanto, não deixes de amá-los. São crianças. E toda a criança teme e exige muito.

Do livro "Caminho, Verdade e Vida",  de Chico Xavier

sábado, 6 de junho de 2009

Em Busca do Mestre


Na noite de 18 de março de 1954, os apontamentos educativos, na fase terminal da reunião, foram trazidos por Meimei, a irmã responsável pelas tarefas do Grupo, que enfeixou em sua mensagem falada, aqui transcrita, todo um poema evangélico, incentivando-nos ao trabalho de comunhão com o Senhor.


Aos ouvidos da Alma atormentada, que lhe pedia a comunhão com Jesus, respondeu, generoso, o mensageiro celestial:
– Sim, em verdade reconheces no Cristo o Senhor, mas não te dispões a servi-lo...

Clamas por Ele, como sendo a Suma Compaixão, todavia, ainda te acomodas com a maldade...
Não te cansas de anunciá-lo por Luz dos Séculos, entretanto, não te afastas da sombra...
Dizes que Ele é o Amor Infinito, mas ainda te comprazes na agressividade e no ódio...

Afirmas aceitá-lo por Príncipe da Paz e não vacilas em favorecer a discórdia...

– Contudo – suplicou a Alma em pranto –, tenho fome de consolo, no aflitivo caminho em que se me alongam as provações... Que fazer para encontrar-lhe a presença redentora?!...

– Volta ao combate pela vitória do bem e não desfaleças! – acrescentou o emissário celeste. – Ele é teu Mestre, a Terra é tua escola, o corpo de carne a tua ferramenta e a luta a nossa sublime oportunidade de aprender. Se já lhe recolheste a lição, sê um traço dEle, cada dia... Ama sempre, ainda que a fogueira da perseguição te elimine a esperança, estende os braços ao próximo, sem esmorecer, ainda que o fel das circunstâncias adversas te envenene a taça de solidariedade e carinho!... Sê um raio de luz nas trevas e a mão abnegada que insiste no socorro fraternal, ainda mesmo nos lugares e nas situações em que os outros hajam desistido de auxiliar... Vai! Esquece-te e ajuda no silêncio, assim como no silêncio recolhes dEle o alento de cada instante! Não pretendas improvisar a santidade e nem esperes partilhar-lhe, de imediato, a glória sublime! Ouve! Basta que sejas um traço do Senhor, onde estiveres!...

Aos olhos da Alma supliciada desapareceu a figura do excelso dispensador dos Talentos Eternos.
Viu-se, de novo, religada ao corpo, sob desalento inexprimível...
Contudo, ergueu-se, enxugou os olhos doridos e, calando-se, procurou ser um traço do Mestre cada dia.

Correu, célere, o tempo.

Amou, tolerou, sofreu e engrandeceu-se...

O mundo feriu-a de mil modos, os invernos da experiência enrugaram-lhe a face e prantearam-lhe os cabelos, mas um momento surgiu em que os traços do Mestre como que se lhe gravaram no íntimo...

Viu Jesus, com todo o esplendor de sua beleza, no espelho da própria mente, no entanto, não dispunha de palavras para transmitir aos outros qualquer notícia do divino milagre...

Sabia tão-somente que transportava no coração as estrelas da alegria e os tesouros do amor.




Meimei

No Intercâmbio


Na noite de 1.º de abril de 1954, ao término de nossa reunião, José Xavier, que foi companheiro militante do Espiritismo em Pedro Leopoldo, já desencarnado, desde 1939, e que ainda hoje é um cooperador leal e amigo em nosso Grupo, tomou o instrumento mediúnico e conversou conosco, sobre o intercâmbio com as entidades sofredoras, deixando-nos as impressões aqui transcritas.


No trato com os nossos irmãos desequilibrados, é preciso afinar a nossa boa-vontade à condição em que se encontram, para falar-lhes com o proveito devido.
Vocês não desconhecem que cada criatura humana vive com as idéias a que se afeiçoa.
Quantos no mundo se julgam triunfantes na viciação ou no crime, quando não passam de viajores em declive para a queda espetacular! E quantos companheiros aparentemente vencidos, são candidatos à verdadeira vitória!...
Mesmo entre vocês, não é difícil observar mendigos esfarrapados que, por dentro, se acreditam fidalgos, e pessoas bem-nascidas, conservando a humildade real no coração, entre o amor ao próximo e a submissão a Deus!...
Aqui, na esfera em que a experiência terrestre continua a si mesma, os problemas dessa ordem apenas se alongam.
Temos milhares de irmãos escravizados à recordação do que foram no passado, mas, ignorando a transição da morte, vivem por muito tempo estagnados em tremenda ilusão!
Sentem-se donos de recurso que perderam de há muito e tiranos de afeições que já se distanciaram irremediavelmente do trecho de caminho em que paralisaram a própria visão.
Nos campos e cidades terrestres, a cada passo topamos antigos dominadores do solo, os quais a morte não conseguiu afastar de suas fazendas; magnatas de indústria que o túmulo não separou dos negócios materiais, e homens e mulheres em massa que, sem a veste do corpo, continuam agrilhoados aos prazeres e aos hábitos em que fisgaram a própria alma...
Convidados à revisão do estado consciencial em que se alojam, irritam-se e defendem-se, como ouriços contentes no espinheiro em que moram, quando não se ocultam, matreiros, no egoísmo em que se deleitam, ao modo de velhas tartarugas a se esconderem na carapaça, ao primeiro toque estranho às sensações com que se acomodam.
Se insistimos no socorro espiritual de que necessitam, vomitam impropérios e cospem blasfêmias...
Mas, com isso, não deixam de ser doentes e loucos, agindo contra si mesmos e solicitando-nos amparo.
Sentem-se vivos, tão vivos, como na época em que se embebedaram de mentira, fascinação e poder.
O tempo e a vida correm para diante, por fora deles, mas, por dentro, imobilizaram a própria alma na fixação mental de imagens e interesses, que não mais existem senão no mundo estreito desses infelizes irmãos.
Querem apreço, consideração, apoio, carinho...
Não pedimos a vocês estimular-lhes a fantasia, contudo lembramos a necessidade de nossa tolerância, para que lhes possamos contornar, com êxito, as complicações e labirintos, dando-lhes, ao mesmo tempo, idéias novas com que empreendem a própria recuperação.
Figuremo-los como prisioneiros, cuja miséria não nos deve sugerir escárnio ou indiferença, mas sim auxílio deliberado e constante para que se ajudem.
Cultivemos, assim, a conversação com os desencarnados sofredores, sem curiosidade maligna, ouvindo-os com serenidade e paciência.
Não nos esqueçamos de que somente a simpatia fraternal pode garantir a obra divina do amor.

José Xavier

sexta-feira, 5 de junho de 2009

Transcomunicação Instrumental

Alimentação Carnívora

Chico Xavier com Jesus e com Kardec

O Espiritismo com Jesus e Kardec deve estar e estará, sempre, com o auxílio dos Mensageiros do Senhor, muito acima de nós. Assim tenho aprendido de nossa doutrina de luz e amor. Não posso, mas não posso mesmo, considerar-me um médium com qualidades especiais. Preciso, e preciso muito, do amparo de todos os companheiros da nossa causa, principalmente no que se refere aos assuntos de orientação doutrinária, para que as minhas fraquezas de criatura não se imiscuam nas manifestações de bondade dos benfeitores espirituais. Médium falível, e talvez até mais falível do que os outros de minha singela condição, se estou bem, isso se deve à presença dos benfeitores espirituais em meus passos, e se estou mal, o que acontece muitas vezes, e que estou em mim mesmo e por mim mesmo. Nessa luta prossigo. E, por isso mesmo, necessito do apoio de todos os amigos que amam a nossa doutrina redentora. Continuo, desse modo, a pedir e pedir as preces de todos os irmãos em meu favor, e vou seguindo, na marcha dos dias, confiando nos Mensageiros de Jesus.

O EXEMPLO MAIOR

Extraímos os trechos acima de uma carta que Chico Xavier nos enviou, com data de 19 do mês findo.
Carta íntima, seguida de outra acompanhando a mensagem para esta seção, que publicaremos no próximo domingo. Os conceitos emitidos pelo médium, com a espontaneidade e a humildade que o caracterizam, são de tal ordem que não nos sentimos no direito de reservá-los apenas para nós e as pessoas de nossa intimidade.
Palavras como essas devem ser levadas ao conhecimento de nossos leitores, pois nos dão a imagem exata do médium, de sua posição no momento de crise que estamos atravessando, e oferecem a todos nós o exemplo maior do que carecemos.
O Espiritismo, sendo o Consolador prometido por Jesus, que nos leva a toda a verdade, não pode conciliar-se com as simulações e fantasias das convenções humanas. Temos de aprender a enfrentar a verdade à luz do dia, a mostrar-nos como realmente somos, a não esconder ao público as deficiências naturais da nossa condição humana. Inútil querermos passar por criaturas modelares e infalíveis ou querermos fingir que o movimento doutrinário não tem falhas. Chico sempre nos deu esse exemplo, mas nunca ele se tornou tão necessário e capaz de tocar-nos como agora.
Temos de compreender que o Espiritismo é uma doutrina aberta, sem mistérios reservados a nenhuma categoria de iniciados, sem nada oculto, e que o movimento doutrinário e a própria marcha do homem ─ em sua expressão individual e coletiva ─ na busca da verdade sobre a sua própria essência e o seu destino. Todos devem participar dessa marcha, não só os espíritas, como possíveis privilegiados de um deus sectário e caprichoso. Jesus, com o seu sacrifício, não rasgou apenas o véu do Templo de Jerusalém, mas também os véus de Isis e de todas as confrarias privilegiadas do passado. O Cristianismo implantou na Terra a democracia espiritual, que os homens deformaram com o fermento velho do seu farisaísmo, mas que os espíritos restabelecem através do Espiritismo.
Os que desejam oferecer ao público uma imagem artificial do movimento espírita, enganam-se a si mesmos, antes de enganar os outros. Os que pretendem apresentar um médium como Chico Xavier, aos olhos do povo, como uma espécie de semideus, perturbam a própria missão do médium, que sempre se esforçou para mostrar-se como um simples homem, sujeito às deficiências humanas. A autenticidade de Chico Xavier e de sua mediunidade ressaltam de suas constantes declarações públicas, sempre marcadas por uma consciência nítida, jamais disfarçada, de sua fragilidade humana.
No fundo, os endeusadores do médium nada mais fazem do que endeusar-se a si mesmos. E a tendência natural da criatura humana de querer engrandecer-se à custa da grandeza alheia: do mestre, do chefe, do sacerdote, do pastor ou do médium. Mas o Espiritismo é contrário a essa tendência, que foi útil e até mesmo necessária no passado, e agora está superada e se transforma num estorvo à evolução humana. A revelação espírita alargou e aprofundou a nossa visão da realidade, mostrou-nos o mundo, a vida e o homem como realmente são, libertou-nos das ilusões mitológicas.
Estamos na era da razão, no limiar da era do espírito. As iniciações ocultas não têm mais nenhum sentido.
Os privilégios sacerdotais desaparecem com os privilégios da nobreza política. Avançamos, como anunciou Kardec, para os tempos da aristocracia intelecto-moral, em que os valores individuais não se medem pelos títulos perecíveis, mas pelas aptidões espirituais do desenvolvimento evolutivo. Conhecemos as leis que regem o crescimento moral das criaturas e sabemos que todos, igualitariamente, estamos sujeitos a elas e, como afirmava o Apóstolo Paulo, "somos herdeiros de Deus e co-herdeiros de Cristo".
É por isso que Chico Xavier, à revelia dos que desejam endeusá-lo, reconhece de público a sua fragilidade humana e não pretende passar por criatura privilegiada. Longe dele essa pretensão orgulhosa. Chico, nosso irmão, nosso companheiro, marcha conosco nas provas do mundo.

José Herculano Pires

Auto-renovação

Atualmente, na Terra, todos ouvimos, com frequência, a afirmativa geral — "eis que o mundo se transforma".
Efetivamente, no Plano Físico, em apenas um quartel de século, alteraram-se basicamente quase todos os setores da vida em si.
Robôs específicos, quais sejam tratores ou máquinas de lavar, poupam imensidade de trabalho e os processos de intercâmbio, os mais rápidas, converteram o Planeta em casa grande com grande família interunida nas mesmas realizações e nas mesmas dificuldades.
A criatura humana, porém, conquanto se extasie perante os avanços do progresso e, por vezes, se veja constrangida a súbitos deslocamentos emocionais, em vista das novas orientações psicológicas, observa, dentro de si própria, que as ocorrências do espírito continuam as mesmas.
O amor genuíno não sofreu qualquer modificação; a atração dos sexos, do ponto de vista da coletividade, não 'experimentou mudança alguma; o sofrimento moral é absolutamente semelhante àquele que devastava civilizações de há muito desaparecidas; o imperativo da educação não abandonou o lugar que lhe compete na vida comunitária; a ordem social não passou por alienação nenhuma, a fim de que a segurança comum se faça resguardada nos alicerces da justiça; e a morte prossegue em toda parte, como sendo uma força que se impõe
no mundo à custa de lágrimas.

Consideremos tudo isso e não te permitas abater se lutas, porventura te assediem a estrada.
Ante a perspectiva de mais mudanças no plano exterior, no imo da alma, sejamos mais nós mesmas.
Por mais complexa se mostre a moldura do quadro em que vives, no mundo, nele transitas, à feição de viajor, no hotel das facilidades materiais, com vinculações de trânsito e compromissos de tempo certo.

A Terra se renova, substancialmente, oferecendo reconforto em todas as direções; entretanto ponderamos com respeito — é preciso saibas o que fazes de ti para que o carro da evolução não te colha sob as suas rodas inexoráveis:

Ampara-te na fé em Deus, seja qual seja o campo religioso em que estagies, construindo resistência íntima com os recursos do conhecimento e do amor.
Desvincula-te das preocupações improdutivas para que te não afastes da essencial.
Usa os bens que a vida te empresta atendendo ao bem dos outros, sem permitir que os bens dos quais te fizeste usufrutuário te acorrentem ao poste das aflições inúteis.
Serve sem apego.
Ama sem escravizar o próximo ou a ti mesma.
E ilumina-te, seguindo adiante.

É da Lei Divina que o mundo se transforme independentemente de nossa vontade, mas é igualmente da Lei do Senhor que a nossa renovação; sejam quais forem as influências exteriores, dependa sempre e exclusivamente de nós.


Emmanuel

quarta-feira, 3 de junho de 2009

Alexandre Dumas, Pai

A velha França, berço de notáveis e populares escritores, romancistas e poetas, deu-nos Alexandre Dumas, cognominado - Pai -, a fim de não surgir confusão com seu filho de igual nome e que também, como romancista, se celebrizou principalmente com a "Dama das Camélias".
Alexandre Dumas, pai, foi talvez o mais fecundo dos dramaturgos românticos, bastando dizer-se, como índice de sua produtividade, que em vinte anos compôs 400 romances e 35 dramas, isto sem se levar em conta artigos, poesias e crônicas que ficaram perdidos.
Sua obra "Os Três Mosqueteiros" alcançou êxito universal, o que por si só seria suficiente para consagrá-lo.
Alexandre tinha quatro anos de idade, quando seu pai desencarnou. O garoto, ao sair da câmara mortuária, avançou em direção a uma escada de acesso ao andar superior, arrastando um rifle. Dizem que sua mãe o interpelara sobre o que ia fazer.
- Vou para o Céu, vou brigar com Deus porque ele matou meu pai.
O espírito de Alexandre Dumas, pai, não obstante o cerceamento que experimentava, por força de seu corpo físico ainda frágil, já se revelava, conforme se constatou no decorrer de sua vida, um impetuoso lutador contra as forças insuperáveis.
Aventurou-0se, quando ainda muito jovem e sem dispor de recursos, a empreender uma viagem a Paris, somente para falar ao grande ator trágico Talma. Querer, para ele, era poder. De fato, foi à noite ao camarim desse artista, e o velho ator, encantado com o espírito do jovem, indagou-lhe qual a sua profissão.
- Sou escrevente, disse, de um notário, mas gostaria de ser escritor.
- E porque não? - retrucou Talma. - Corneille começou também como escrevente de um notário!
E o jovem Dumas foi logo dizendo:
-Muito obrigado. E, por favor, não poderia o senhor tocar na minha testa para me dar sorte?
E o velho ator, sorrindo, colocou a mão sobre a fronte de Alexandre, proferindo as seguintes palavras:
- Batizo-te poeta em nome de Shakespeare, Corneille e Schiller.
Dumas não tomou isso como brincadeira, pelo que disse à Talma:
- Hei de provar-lhe e ao mundo inteiro. E será agora!
Foi para a casa e começou a dramatizar o romance de W. Scott, "Ivanhoé".
Alexandre tinha uma maneira muito singular de escrever; jamais se cingiu às regras impostas pelos grandes mestres. Para seu temperamento, ou melhor, para sua sensibilidade mediúnica, "a rigidez clássica não passava de uma camisa de força".
A inspiração foi a fonte mágica de seu gênio. Escrevia de um jato e jamais passava a limpo o que escrevia.
Goethe, o grande Goethe, preocupado com as iniciativas de Dumas, recomendava-lhe moderação. "Não queiras ultrapassar teus mestres. Evita exagerar tua atividade; toda atividade sem método conduz à bancarrota. É preciso que a Arte seja a regra da imaginação para que se traduza em poesia."
Alexandre, porém, não podia compreender estas palavras de Goethe, e não podia compreendê-las porque escrevia sob inspiração mediúnica, e a verdade do que dizemos está nestas suas palavras: "Vivo como os pássaros nas árvores. Se não há vento (isto é, inspiração) deixo-me ficar; se ventas (isto é, se a inspiração sopre sem seus ouvido psíquicos), abro as asas e vou para onde o vento me levar."
Para melhor positivarmos que ele escrevia sob o influxo de forças invisíveis, e em momentos que sua imaginação não podia absolutamente sugerir determinados assuntos, basta citemos esta sua confissão:
- "Minhas mais loucas fantasias saíram muitas vezes dos meus dias nebulosos. Imagine-se uma tempestade - que era seu estado de alma -, com relâmpagos cor-de-rosa."
Há uma passagem da vida agitada desse indomável mestiço, citada por um de seus biógrafos, que é bem um atestado das suas faculdades mediúnicas. É a seguinte:
"À noite, depois de um dia de intenso trabalho, na confecção de seus romances, ceia alegremente: relata a seus amigos o que fizeram suas personagens durante o dia, e, curioso, antegoza só em pensar sobre o que elas iriam fazer no dia seguinte; e quando os outros, de natureza mais débil, se admiravam de semelhante regímen, respondia que absolutamente não se encontrava fatigado. - "Não faço romances nem peças, tudo se faz por si. Não crio histórias. Elas criam-se dentro de mim." Mas como? Nem ele o sabia; em resposta, limitava-se a dizer: -"Perguntai às ameixeira como é que ela dá ameixas!"
Alexandre Dumas era dotado de grande força hipnótica. Certa feita experimentara o seu poder hipnótico com Alexis Didier, célebre sonâmbulo, e tão bom resultado conseguiu, que Didier, depois de despertar, exclamou:
- Toma cuidado! Fosse um pouco mais forte o teu poder eu estaria morto.
Em sua profissão de fé aos vigários da França, encontramos este trecho assaz interessante: "Se, entre os escritores modernos, um existe que tenha defendido o Espiritualismo, proclamando a imortalidade da alma, que tenha exaltado a religião cristã, far-me-eis a justiça de dizer que sou eu."
Sentindo próximo o fim de seus dias na Terra, Alexandre Dumas foi para a casa do filho.
- Meu filho, vim morrer perto de ti.
Depois disso, fez-se taciturno. E quando seus amigos sacudiam a cabeça com tristeza e comentavam que Dumas começara a decair, seu filho redarguia:
- Um cérebro como o de meu pai nunca entra em declínio. Se le se recusa a falar conosco na linguagem de hoje é porque está começando a compreender a linguagem da eternidade!

Sylvio Brito Soares

Albrecht Durer

Plutarco asseverou que a pintura deve ser uma poesia silenciosa, e a poesia uma pintura que fala.
Isto significa, portanto, que a arte nada será, desde que não tenha alma.
Só o gênio é capaz de transmitir alma às suas produções, porque todos os homens de Gênio no dizer do encatador Léon Denis, voluntária ou involuntariamente, conscientemente ou não, se acham em relação com o Além, dele recebem poderosos eflúvios, e inspiradores invisíveis os assistem e colaboram em suas obras.
Basta relancearmos os olhos pelas páginas da história profana e religiosa de todos os tempos, para verificarmos como os fenômenos mediúnicos influenciaram e continuam influenciando profetas, santos, sábios, oradores, artistas, etc.
Em 1471, na cidade alemã de Nuremberg, nasceu Albertch Durer, que desde logo deu provas de um talento precoce. Foi ao mesmo tempo pintor, gravador, escultor e arquiteto.
Na Alemanha, foi ele o maior pintor de imaginação rica. Filho de hábil ourives, aprendeu sem dificuldade o ofício paterno e, com quinze anos de idade, conseguiu, pleno de alegria, frequentar, por espaço de três anos, as aulas do pintor e gravador Michael Wohlgemuth.
Contava 23 anos quando se consorciou com Àgnes Frey, mulher de grande beleza, mas de caráter egoísta e muito ciumenta, pelo que transformou a vida do esposo em verdadeiro tormento.
Isso, porém não impediu que ele se entregasse com amor e alma à arte pictórica, além das de gravador, escultor e arquiteto.
Foi infatigável no trabalho. Conta-se que certa feita encontrava-se seriamente preocupado, pelo que passara a noite toda velando e meditando.
"Queria pintar os quatro evangelistas e, tendo retocado esboços, que não exprimiam a seu gosto o ideal que imaginara, atirou os pincéis, abriu a janela e pôs-se a contemplar as estrelas. A inspiração lhe veio nesse momento de tristeza. A luz projetava sua claridade nos monumentos e nas agulhas das catedrais de Nuremberg. E ele disse então: 'Permitistes a homens transformar, aí, lascas de pedra em construções harmônicas, de majestosas linhas. Consenti-me transportar, para a tela, o que eu trago na alma.'
Viu a serguir, a Igreja de São Sebaldo avermelhar-se em fogo, e nuvens azuis formarem um fundo em que se desenhavam as imponentes figuras dos quatros evangelistas. Durer exclamou maravilhado: - Eis os rostos que inutilmente tenho procurado fixar."

Sylvio Brito Soares

segunda-feira, 1 de junho de 2009

A Missão de Allan Kardec

"A missão dos reformadores está cheia de escolhos e de perigos e a tua é rude, disso te previno, porque é o mundo inteiro que se trata de agitar e de transformar." - Espírito Verdade (Obras Póstumas)

“Escrevo esta nota no dia 1º de janeiro de 1867, dez anos e meio depois que esta comunicação me foi dada, e verifico que ela se realizou em todos os pontos, porque experimentei todas as vicissitudes que nela me foram anunciadas. Tenho sido alvo do ódio de implacáveis inimigos, da injúria, da calúnia, da inveja e do ciúme; têm sido publicados contra mim infames libelos; as minhas melhores instruções têm sido desnaturadas; tenho sido traído por aqueles em quem depositara confiança, e pago com a ingratidão por aqueles a quem tinha prestado serviços. A Sociedade de Paris tem sido um contínuo foco de intrigas, urdidas por aqueles que se diziam a meu favor, e que, mostrando-se amáveis em minha presença, me detratavam na ausência.
Disseram que aqueles que adotavam o meu partido eram assalariados por mim com o dinheiro que eu arrecadava do Espiritismo. Não mais tenho conhecido o repouso; mais de uma vez, sucumbi; sob o excesso do trabalho, tem-se-me alterado a saúde e comprometido a vida.
“Entretanto, graças à proteção e à assistência dos bons Espíritos, que sem cessar me têm dado provas manifestas de sua solicitude, sou feliz em reconhecer que não tenho experimentado um único instante de desfalecimento nem de desânimo, e que tenho constantemente prosseguido na minha tarefa com o mesmo ardor, sem me preocupar com a malevolência de que era alvo. Segundo a comunicação do Espírito Verdade, eu devia contar com tudo isso, e tudo se verificou.”


Allan Kardec

sexta-feira, 29 de maio de 2009

A Pluralidade das existências

O dogma da reencarnação, dizem certas pessoas, não é novo, pois foi tomado de Pitágoras. Jamais dissemos que a Doutrina Espírita é invenção moderna; o Espiritismo, decorrendo de uma lei natural deve existir desde a origem dos tempos e nos esforçamos sempre em provar que se encontram traços dele desde a mais alta antiguidade. Pitágoras, como sabemos, não é o autor do sistema da metempsicose, pois o tomou dos filósofos indianos e dos meios egípcios, onde existiu desde tempos imemoriais. A idéia da transmigração das almas era, pois, uma crença comum, admitida pelos homens mais eminentes. Por que meio chegou até eles? Pela revelação ou pela intuição? Não sabemos, porém, qualquer que seja, uma idéia não atravessa os tempos e é aceita por inteligências destacadas, sem ter um lado sério. A antiguidade dessa doutrina seria, pois, antes uma prova que uma objeção. Todavia, como se sabe igualmente, há entre a metempsicose dos antigos e a doutrina moderna da reencarnação, esta grande diferença que os espíritos rejeitam de maneira absoluta: a transmigração da alma do homem para os animais e dos animais para o homem.

Allan Kardec

quinta-feira, 28 de maio de 2009

A Cepa simbólica

"Coloca na cabeça do livro a cepa de vinha que te desenhamos (a cepa acima é o fac-símile daquela que foi desenhada pelos Espíritos), porque ela é o emblema do trabalho do Criador; todos os princípios que podem melhor representar o corpo e o espírito nela se encontram reunidos: o corpo é a cepa; o espírito é o licor; a alma ou o espírito unido à matéria é o grão. O homem quintessencia o espírito pelo trabalho e tu sabes que não é senão pelo trabalho do corpo que o espírito adquire conhecimentos."

Instruções dos Espíritos à Allan Kardec

A Seriedade e o Bom Humor

Uma das conquistas mais difíceis do Espírito, ao longo da sua trajetória evolutiva, é a integração das duas virtudes que servem de título a esta crônica.
A seriedade e o bom humor costumam aparecer na intimidade mental de forma mutuamente excludentes quando, no fundo, são traços de personalidade que se completam no processo de nosso definitivo aperfeiçoamento.
Via de regra a seriedade expressa-se na disposição de ânimo para considerar todas as coisas da vida como realmente importantes, dignas de criterioso julgamento, qualquer que seja o modo de se afigurarem ou a maneira de serem interpretadas. Já o bom humor se manifesta como na inclinação para encarar todos os fatos deste mundo com natural contentamento, ainda que os mesmos se mostrem à primeira vista um tanto desagradáveis.
No geral a seriedade chega primeiro à consciência do ser humano esclarecido. Ainda bem, Porque sem ela estacionamos na sombra da irresponsabilidade, pagando cedo ou tarde o preço alto do sofrimento por atitudes descuidosas e procedimentos levianos. Sabemos todos disso, nós espíritas, e aliás a respeito de tal verdade podemos ficar tranquilos, pois somos, essencialmente, pessoas sérias, em que pesem os deploráveis defeitos dos quais continuamos lutando para nos libertar.
O bom humor, porém, é uma aquisição que às vezes custa deveras a ser incorporada em nossa estrutura de caráter. Infelizmente, porque sem eles mergulhamos, em repetidas ocasiões, nas águas turvas de ressentimentos perturbadores, nadando contra a maré do destino.
Necessitamos ser alegres e amáveis. Nenhuma justificativa temos para assumir ares taciturnos, sobretudo nas relações interpessoais, dentro e fora do âmbito espiritista. A fé que abraçamos, racional e lógica, não aprova posturas místicas e alienadas da realidade social, tanto mais saudável quanto espontânea e feliz.
Aprendamos com os nossos maiores. Allan Kardec e Léon Denis, por exemplo, de quem estão vulgarizadas no Brasil fotografias pouco simpáticas, projetando uma aparência quase soturna, foram homens bem-humorados, embora superlativamente sérios.
Gaston Luce, que conheceu ambos de perto, relatando uma palestra de Kardec em Tourane diz que quando o codificador falava sobre obsessão "foram feitas perguntas às quais respondia com fisionomia sorridente". (1) Logo a seguir, acrescenta:

"No dia seguinte, retornei à Spirite-Ville para fazer uma visita ao Mestre; encontrei-o sobre um pequeno banco, junto a uma grande cerejeira, colhendo frutos que jogava para a Sra. Allan Kardec - cena bucólica que contrastava alegremente com esses graves acontecimentos." (2)

Afirma mais Gaston Luce, de Léon Denis, que:

"sua pontualidade no serviço e o escrupuloso cuidado em executar as ordens não alteravam de forma alguma a simplicidade de suas maneiras, sua urbanidade sorridente, seu humor inalterável, apimentado com uma ponta de malícia gaulesa de cunho muito pessoal". (3)

O próprio Allan Kardec, em uma de suas obras básicas da Codificação, oferta-nos este delicioso apontamento:

"Nem sempre basta que uma assembleia seja séria, para receber comunicações de ordem elevada. Há pessoas que nunca riem e cujo coração, nem por isso, é puro." (4)

Como se vê, a seriedade e o bom humor, ao invés de coexistirem como elementos antagônicos na química do crescimento espiritual, são preciosos fios enlaçando a inteligência e o coração no tecido que veste as almas de escol.

(1) LÉON DENIS, O APÓSTOLO DO ESPIRITISMO, de Gaston Luce, tradução de José Jorge, pág. 27 - Edição do Centro Espírita Léon Denis, Rio de Janeiro, agosto de 1989.
(2) Ibidem.
(3) Ib. pág. 28.
(4) O LIVRO DOS MÉDIUNS, de Allan Kardec, Capítulo XXI, Item 233 - Edição da FEB.

Nazareno Tourinho

A Objetividade do Espiritismo

Podemos representar o Espiritismo como um aeronave, pois ele possui corpo central, a filosofia, duas asas, a ciência e a religião, em perfeito equilíbrio, e um leme, o bom senso.
Conhecemos fartamente os três primeiros elementos constitutivos do providencial avião mas pouco nos apercebemos do quarto, o leme, talvez porque em figuração física seja de tamanho menor e menos saliente. Nem por isso tem sua importância reduzida.
Sem bom senso não há Espiritismo e, se há, sua viagem pelo ( ou para o) céu do nosso destino sai da rota certa, perde a direção acabando em desastre, cedo ou tarde. É o que acontece quando a Doutrina se vê pilotada por adepto amante de piruetas, que não consulta os instrumentos de bordo nem respeita as condições meteorológicas do espaço humano.
Allan Kardec, cognominado de bom senso encarnado, conclui o Capítulo IV, Primeira Parte, de "O Livro dos Médiuns", intitulado Dos Sistemas, com estas sábias e ainda hoje oportunas palavras:

"Assim, Espíritos, que podemos considerar adiantados ainda não conseguiram sondar a natureza da alma. Como poderíamos nós fazê-lo? É, portanto, perder tempo querer perscrutar o princípio das coisas que, como foi dito em O Livro dos Espíritos (n°s 17 e 49), está nos segredos de Deus. Pretender esquadrinhar, com o auxílio do Espiritismo, o que escapa à alçada da Humanidade, é desviá-lo do seu verdadeiro objetivo, é fazer como a criança que quisesse saber tanto quanto o velho. Aplique o homem o Espiritismo em aperfeiçoar-se moralmente, eis o essencial. O mais não passa de curiosidade estéril e muitas vezes orgulhosa, cuja satisfação não o faria adiantar-se um passo . O único meio de nos adiantarmos consiste em nos tornarmos melhores. Os Espíritos que ditaram o livro que lhes traz o nome demonstraram a sua sabedoria, mantendo-se, pelo que concerne ao princípio das coisas, dentro dos limites que Deus não permite sejam ultrapassados e deixando aos Espíritos sistemáticos e presunçosos a responsabilidade das teorias prematuras e errôneas, mais sedutoras do que sólidas, e que um dia virão a cair, ante a razão, como tantas outras surgidas dos cérebros humanos. Eles, ao justo, só disseram o que era preciso para que o homem compreendesse o futuro que o aguarda e para, por essa maneira, animá-lo à prática do bem."

Aí está desenhado, em tintas vivas, o caráter objetivo de nossa Doutrina, concebida pelos Espíritos Superiores para ofertar à Humanidade orientações educativas e não especulações inconsequentes como o fazem tantas outras filosofias paralelas, as quais, intentando voar mais alto para devassar nuvens coloridas de verdades transcendentes, terminam esgotando o combustível da lógica nas zonas de turbulência da ilusão.

Nazareno Tourinho